quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Monólogo ao pé do ouvido: coisas que só digo quando você dorme em minha casa

Quero que saiba que me apareceu em um momento de muita tempestade e pouca brisa, que antes da sua chegada, a presença dos dragões, pontualmente às sete horas da manhã, me perturbava e deixava o meu dia como o duma praia que amanheceu nublada. Mas não era sobre isso que eu queria falar, o que eu quero mesmo dizer é que... você é especial, de uma forma que prefiro não definir.

É uma pena que esteja dormindo enquanto eu falo, por dois motivos: o primeiro é que não pode ver o quanto é bonita dormindo: de lado, com as mãos postas como quem faz uma oração, sobre as quais repousam o seu rosto, parece que reza enquanto dorme; o segundo é que se estivesse acordada, poderia me ouvir falar e faria aquela cara que sempre faz quando digo alguma coisa que você não esperava ouvir, e se fazendo de desentendida me diz: repete, eu não te ouvi.

Mas provavelmente, se você estivesse acordada, eu não falaria nada, pois tenho dificuldade de falar sobre essas coisas: coisas do coração. Provavelmente por esse meu lado tão racional, coisa de virginiano... se você me ouvisse agora, falando isso, fatalmente me olharia e usaria o termo ironicamente científico que você batizou como “desculpa esfarrapada pra quem não quer admitir o que sente.”

Tudo bem, você tem razão sobre isso, e sobre muitas outras coisas. Muito embora eu não lhe dê razão, mas ela é sua, é uma pena que não me possa ouvir agora, certamente riria e acompanhado do sorriso viria àquela frase: ta vendo, eu sabia... quando na realidade você não sabia de nada, apenas suspeitava do óbvio.

Não vou dizer que você é essencial pra mim. Não gosto da palavra “essencial.” Na realidade, eu não gosto mesmo é do que ela traz em si. Sempre que penso ou escuto alguém pronunciar essa palavra, lembro-me da minha infância quando morava com meus pais e eles criavam pássaros em gaiolas, depois que descobri o significado da palavra essencial, passei a detestar ainda mais a visão de pássaros presos em gaiolas, mesmo que cantassem o dia inteiro, mesmo que não soubéssemos distinguir se aquilo era cantar ou chorar. Então, não vou dizer que você é essencial a mim, porque o que sinto por você vai de encontro ao sentido dessa palavra.

Sempre que estamos juntos, pede-me para dizer o que sinto por você. Sempre silencio, não por não saber o que sinto, mas por não querer definir. Porque como dizem, toda definição tende a limitar, e limitação é quase uma deficiência. Prende e impede a capacidade de transformação, de mutação ou transmutação de uma coisa (sentimento) para outra melhor (dar mais intensidade a coisa).

Sendo assim, prefiro deixar como está. Como é: indefinível, imperfeito, surpreendente a cada dia que nos encontramos, a cada surpresa ou tentativa disso; a cada palavra descoberta ou a cada carícia nova ou a cada novo passeio ou a cada novo olhar lançado ao céu cheio de nuvens vazias, mas que aos nossos olhos tomam dimensão lúdica, pueril, é bom brincar de imaginar desenho em nuvens...

Imperfeito porque só os imperfeitos são dignos do perdão, os perfeitos não precisam, eles não erram, são retos como as linhas de uma pista sem curva, não como os galhos de uma árvore; indefinível com palavras, porque elas são insuficientes, são improváveis para dar forma ou sentido a isso, vou chamar o que sinto de “Isso.”

Isso que sinto por você é muito forte, é muito bonito. Em alguns momentos com você me sinto como uma criança olhando para todos os cantos, procurando um sentido para tudo, revendo as mesmas coisas e sentindo sempre um pasmo pela vida. Com você, ela não repete. Por que não falo isso quando estamos juntos, por que só agora que você está dormindo? Será que tudo é mentira? Nada. Será que tudo é verdade? Quase...

Hoje, enquanto estávamos na festa, enquanto dançávamos; enquanto nos abraçávamos; enquanto eu lhe beijava; enquanto você me beijava; enquanto a banda tocava; enquanto todos passavam por nós e ninguém nos importava;... eu olhava pra você, eu vivia você, e depois que a banda parou de tocar, que o show acabou, que voltamos para casa, que você adormeceu, que fiquei acordado, pensei em dizer tudo isso a você, como estou fazendo agora. Depois não venha reclamar que eu nunca falo sobre essas coisas com você. Eu falo, você é quem não me escuta...

Por que será que sorriu agora depois que eu terminei de falar?

Xico Fredson!

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